“Antigamente sempre dava friagem, mais ou
menos em maio, como dizemos hoje. Vem o vento antes da friagem,
assoprando tudo, de uma vez, de uma tacada, um só, não tem outro depois.
A friagem vem em seguida. Quando o vento nos assusta, já sabemos que Sucat, a friagem, está perto. Todo o ano acontece assim para nós.
(...)
– Isso não é friagem, é um bicho, tarupá! Vamos tomar rapé, ver o que fazer!
Tomaram rapé para se defender, rezando, para o tarupá não fazer mal para ninguém.
Ficou essa mulher:
– Não vejo nada de perigoso, isso não é bicho! Não é friagem, nem tarupá, é vento qualquer. Eu não vou rezar, não vejo nada!
Era teimosa. Era como muito branco que teima, não quer ver a verdade,
não acredita no que dizem os pajés. Pelejaram para ela vir tomar rapé
também, curar a friagem. Não quis, não tinha visto nada!
Um dia depois que recusou tomar rapé, começou. Começou a se comer.
(...)
– Era para você vir atrás de reza, de rapé, veja o que aconteceu, você
não acredita na palavra de pajé poderoso! Todos sabem que pajé não é
brincadeira. Só você não quis obedecer os pajés, tomar rapé, você vai
virar bicho, tarupá, do jeito que está se comendo!
Ficou mole,
flexível, conseguia se dobrar como quisesse, para alcançar mais outro
quinhãozinho da própria carne. Quando comeu o coração é que morreu.”
Amonãi Manuel Tupari apud MINDLIN, Betty. A mulher que comeu a si mesma. Libertárias, São Paulo 5: 47 – 50, dez. 1999.
Rapé Coisa Feita - trazendo a Magia dos Antigos até tu!